terça-feira, 27 de março de 2007

Lições de um designer

Tom Kelley é um ícone mundial da inovação e um designer respeitadíssimo. O artigo abaixo (reprint da HSM) é antigo (2004), mas continua muito atual.


TOM KELLEY As lições de um designer Nesta entrevista exclusiva, um dos sócios da Ideo, Tom Kelley, conta como trabalha o pessoal de sua empresa de design, líder absoluta na arte da inovação e criação de produtos nos EUA.


A idéia convencional associa o design a uma habilidade estética. Porém, ultimamente, o design adquiriu status de uma poderosa ferramenta competitiva. Como se explica essa mudança?O design não é o instrumento mais poderoso de que os executivos dispõem, mas é o que oferece mais oportunidades de negócios hoje, até porque havia sido subutilizado. O bom design, além de incidir nos traços estéticos ou físicos dos produtos, cria inovações nas experiências que são oferecidas ao cliente. E a inovação é fator chave para o sucesso em um ambiente competitivo. Esse é um dos temas mais acalorados nas entrevistas que temos com executivos e um dos mais mencionados por especialistas do nível de Tom Peters e Michael Porter. Certamente, cada vez mais as empresas recorrem a especialistas em design em busca de inovação.Diferentemente da maioria dos consultores em management, que têm um enfoque geral, os designers partem do específico para chegar ao geral. Ou seja, nós dirigimos a experiência prática em desenvolvimento de produtos para a geração de novas experiências e novos negócios. Roger Martin, diretor da escola de administração da University of Toronto, diz que o estilo de pensamento dos designers deveria ser copiado no mundo dos negócios e afirma que “os executivos não apenas devem saber mais sobre design, como também se converter em designers”. O sr. poderia explicar a nossos leitores como pensa um designer? Um designer observa os clientes em situações de vida real e procura perceber os problemas em que estes tropeçam, as dificuldades que encontram. Esses obstáculos são o ponto de partida para criar algo completamente novo. Ele adota outras técnicas, como o brainstorming e a fabricação de protótipos, mas a observação é seu ponto de partida. Se os executivos tivessem a humildade de admitir que não sabem tudo e não têm a abertura mental para sair às ruas e observar seus clientes ou seus concorrentes, dariam os primeiros passos para se converter em designers. O que vocês, designers, observam? A que prestam mais atenção? Observamos os momentos em que uma pessoa franze o cenho, em que parece estar confusa, quando erra, quando toma o caminho errado, se volta atrás e tenta novamente, seja ao usar um produto, ao percorrer uma loja ou ao navegar numa página da Web. Então, tentamos inferir as causas que produziram essa confusão para eliminá-las o mais breve possível. Vocês inferem? Não perguntam ao usuário? Podemos descobrir mais como observadores, especialmente quando se trata de desenhar algo inovador. As pessoas têm dificuldade em responder a questões sobre o futuro e sobre coisas que ainda não existem. Se, alguns anos atrás, um fabricante de CD players perguntasse aos usuários que aparelhos eles precisavam ter, a maioria teria respondido que queria aparelhos de videocassete que pudessem ser rebobinados rapidamente. Nenhum usuário teria dito “um DVD player”, porque não sabia o que era. As oportunidades surgem a partir do ato de observar pessoas em situações de vida real, detectar suas necessidades e encontrar as tecnologias emergentes que podem satisfazê-las. O sr. mencionou que, além da observação, os designers utilizam o brainstorming. Quais são as chaves para acionar idéias em uma reunião de grupo?SAIBA MAIS SOBRE O mais importante é não confundir uma sessão de brainstorming com uma reunião de trabalho convencional, em que em primeiro lugar fala o chefe, que conduz a discussão, enquanto os outros tomam notas e têm uma atitude que poderíamos chamar de “respeitosa”. Nessa reunião convencional, se alguém propõe certa idéia que um dos presentes já sabe que não funcionará, ele não é obrigado a dar sua opinião nem a fornecer dados que contradigam essa idéia. Na maior parte das sessões de brainstorming, acontece o contrário. O chefe se retira depois de apresentar o tema, porque sabe que sua presença pode impedir a livre circulação de idéias. E, se decide permanecer na reunião, não deve tomar notas; é melhor que um dos participantes faça isso. Outra das regras do brainstorming é “adiar o julgamento”. Isso significa não emitir opiniões críticas e permitir que todos os tipos de pensamento sejam expressos. Algumas idéias são ruins, mas, ao desenvolvê-las, cria-se espaço para o surgimento de sugestões melhores. Em muitas salas de reunião da Ideo temos cartazes que dizem: “Vamos contribuir com idéias malucas”, “Vamos gerar um grande número de idéias”, “Sejamos visuais”. Este último cartaz significa que, além de falar, os participantes de uma sessão de brainstorming fazem diagramas e esquemas que permitem transformar as idéias em gráficos. Outras vezes, usamos objetos. A verdade é que uma boa sessão de brainstorming produz um efeito revitalizador, uma sensação de infinitas possibilidades. Creio que foi essa sensação de combustão grupal espontânea que nos permitiu encontrar soluções incomuns para problemas aparentemente sem solução.Em seu livro A Arte da Inovação, o sr. diz que uma sessão de brainstorming pode produzir mais de cem idéias. Como filtrar ou escolher as que continuarão sendo desenvolvidas? Este é um ponto-chave. Em geral, o chefe assume e escolhe, às vezes intuitivamente, as idéias que, a seu ver, terão algum valor no mercado, a fim de convertê-las em protótipos que irão sendo aperfeiçoados. Contudo, tentamos não nos apegar aos primeiros modelos; nós os avaliamos e melhoramos em uma série de interações das quais participam a equipe de design, o cliente, o pessoal da Ideo que não está diretamente envolvido no projeto e pessoas que fazem parte do mercado-alvo. Que papel desempenham os protótipos no processo de design da Ideo? São a pedra angular do processo. É graças a eles que podemos imaginar o dispositivo ou a experiência que o designer está tentando criar. É muito difícil descrever um aparelho que não existe. Como explicar o que é um walkman a alguém que nunca o viu? Quando se constroem protótipos de diversos tamanhos, com formas e funcionalidades diferentes, é mais fácil transmitir o que se tem em mente e tirar conclusões. Por exemplo, com um protótipo dá para perceber que o aparelho não cabe no bolso. Costuma-se dizer que uma imagem vale mais que mil palavras; nossa experiência nos mostra que um bom protótipo vale muito mais que mil imagens e que não apenas comunica idéias, como também persuade o cliente e o convence a aceitar a nova proposta. Qual é o impacto da tecnologia no desenvolvimento de protótipos? Em alguns casos usamos software de desenho para criar modelos tridimensionais e, assim, acelerar o processo de converter uma idéia em produto. No entanto, muito do que fazemos não exige tecnologia. Há algum tempo criamos um protótipo de óculos para esportistas que praticam snowboard. O design era atraente, mas faltava verificar se ficavam embaçados quando a temperatura caía abaixo de zero. Estávamos no verão na Califórnia, e nosso cliente não tinha orçamento para cobrir o custo das passagens até um centro de esqui no hemisfério sul. Então, pensamos numa alternativa: pedimos aos donos de uma sorveteria industrial próxima de nosso escritório permissão para usarmos seus refrigeradores. Levamos uma bicicleta fixa e um ventilador para simular vento e conseguimos que alguns dos designers entusiastas do ciclismo pedalassem durante uma hora no freezer da sorveteria, agasalhados com grossas jaquetas. Definitivamente, criar um protótipo significa resolver um problema. Construir protótipos é uma cultura e uma linguagem, e é possível fazer modelos de quase tudo: produtos, serviços e experiências. O importante é continuar, nunca parar. Fazemos protótipos em três dimensões dos produtos e simulações em vídeo dos serviços e experiências. Não são simulações complexas, como as da Nasa. Mostramos a pessoas, em geral nossos funcionários, que interagem com os produtos ou com outros indivíduos.Que tipo de pessoa vocês contratam na Ideo? No começo, todos tinham a mesma formação: um mestrado em design de produtos pela Stanford University. Hoje, alguns têm perfil artístico; outros são mais técnicos, engenheiros; e há os de formação humanística, como antropologia cultural. A fusão e integração das várias disciplinas foi o que nos permitiu ocupar um lugar de destaque no mundo do design. Além disso, durante o verão, contratamos por volta de 20 jovens, que são uma fonte extraordinária de idéias. Devido a isso, colocamos em prática um sistema de “mentores reversos”: cada executivo sênior é guiado por um desses jovens, que o instrui sobre as novas tendências, tecnologias ou estilos de vida. Mas isso não está estruturado. Nada é muito metódico na Ideo. Metodologias atrapalham a criatividade? Algumas sim, outras não. As que dão poder aos funcionários, por exemplo, favorecem a criatividade; já as que restringem a liberdade de ação cortam a criatividade. Na verdade, temos algumas metodologias, como a dos cinco passos para um novo desafio (veja quadro abaixo). Em seu livro, o sr. quase nunca menciona a variável “custo”. É porque isso inibe as idéias? Pensar em custos quando as idéias estão em estado embrionário pode aniquilá-las. Se brincarmos com elas durante certo tempo, descobriremos maneiras mais eficientes, do ponto de vista de custos, de colocá-las em prática. Além do design, a proposta da Ideo inclui “ajudar os clientes antes que saibam o que querem ou necessitam”. O sr. pode explicar isso? Isso se refere ao que chamamos de “projeto zero”, que é uma instância anterior à criação de um produto ou serviço. Nos “projetos zero” tentamos descobrir o que o cliente deveria fazer no futuro imediato. Um exemplo seria, por exemplo, o de uma empresa que descobre que um concorrente rouba sua base de clientes e não sabe que medidas tomar. Num caso assim, a primeira coisa que fazemos é visitar esses ex-clientes e observar como usam o produto do concorrente que o substituiu. Para ajudar nossos clientes a descobrir o que querem e a dar o passo seguinte, aplicamos as mesmas técnicas que usamos no design de produtos específicos. O interessante é que os “projetos zero” representam cerca de 50% de nossas operações e estão em franca expansão.

Fonte: HSM Management 47 novembro-dezembro 2004

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